Pais e mães, principalmente de primeira viagem, colecionam dúvidas sobre os cuidados com os bebês. São questionamentos que surgem dia a dia, por exemplo, quais os sintomas do nascimento dos primeiros dentes. Há também escolhas que podem ser decisivas para a saúde dos filhos, como o uso ou não da chupeta.
Imagine, então, o desafio de pessoas com deficiência que se veem diante da responsabilidade de zelar pelo bem-estar dos seus bebês, e que não escutam o choro das crianças ou não podem enxergar sinais e reações. No Brasil, existem mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual e 9,7 milhões com deficiência auditiva.
Pesquisadores do Departamento de Saúde Bucal da Criança e do Adolescente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), incluindo bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), estão criando recursos para ajudar pessoas com deficiência a cuidar dos nenéns. O primeiro trabalho foi o desenvolvimento de um audiobook para orientar sobre cuidados com alimentação, limpeza da boca, sono do bebê, uso de chupetas e mamadeiras.
O conteúdo dos áudios tem como origem o ebook Guia de Orientações Odontológicas para Bebês, anteriormente feito pelo departamento, e que já continha essas informações.
“Nosso guia para cuidar do bebê não tinha caráter inclusivo. Usamos esse material numa parceria entre pesquisadores da Odontologia e Fonoaudiologia, para fazer gravação em estúdio adequando a linguagem”, explica a professora Junia Serranegra, coordenadora do trabalho.
A ideia de adaptar o material surgiu a partir do contato de um pesquisador do mestrado com um grupo de mães do Instituto São Rafael. Ele está validando uma escala para medir ansiedade de crianças com deficiência visual. Com isso, os cientistas conheceram os desafios desse público e aproveitaram o “intercâmbio” para desenvolver o audiobook.
Também está em desenvolvimento, um vídeo com tradução em Libras. Uma mestranda do Departamento de Saúde Bucal da Criança e do Adolescente está pesquisando a rotina de cuidados com bebês feita por mães com deficiência auditiva e também mulheres ouvintes, para comparar a realidade dos grupos.
Mas, afinal, por que trabalhar a inclusão na Odontologia? A professora Junia Serranegra explica que os profissionais de Saúde no Brasil são muito treinados para a comunicação verbal. No entanto, ela não é suficiente para atender a públicos diversos. “As mães com deficiência auditiva têm dificuldades desde o pré-natal, por isso, o número de partos por cesárea é três vezes maior do que em mulheres ouvintes. Às vezes não é dada a essa gestante a escolha, porque o médico tem dificuldades de comunicação”, exemplifica.
No caso da Odontologia, o enfoque é preventivo. “Sou professora há 32 anos e, neste tempo, tivemos somente uma criança e um pai com deficiência auditiva que buscaram atendimento na emergência. Eles não estão chegando às nossas clínicas”, afirma a professora.
Os pesquisadores também avaliam outros detalhes do cotidiano de mães com deficiência comparados à rotina das demais mulheres. A professora lembra que uma pesquisa revelou que deficientes visuais têm parâmetros diferenciados para dentes feios e bonitos. “Para eles, dente bonito é quando passam a língua ou os dedos e sentem a arcada alinhada”, conta.
Outro estudo comparou o uso de chupeta em bebês por mães com deficiência auditiva e ouvintes. “A gente tinha a hipótese de que o choro da criança deixa a mãe ansiosa e ela oferece a chupeta. Mas, se a mãe com deficiência auditiva não ouve o choro, a relação com a chupeta poderia ser diferente. Descobrimos que os dois grupos dão a chupeta de forma semelhante, mas mães com deficiência auditiva oferecem por menos tempo”.
O principal objetivo dessas pesquisas e trabalhos é alertar profissionais da área da Saúde, em especial em Odontologia, para a necessidade de mudança nos modos de comunicar. “É preciso estimular mais nossos alunos, destacando a importância do caráter inclusivo”, frisa Junia Serranegra.
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