Para discutir o impacto da legalização do setor de apostas on-line sobre a arrecadação de tributos, a CPI das Bets ouviu nesta terça-feira (3) representantes do segmento. O CEO da Betnacional, João Studart, informou que hoje a empresa arca apenas com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas saídas e entradas de recursos entre Brasil e Curaçau — país caribenho onde sua empresa está sediada.
Ele também informou que, a partir de 2025, a empresa será transferida para o Brasil e passará a arcar com outros tributos — como PIS, Cofins, ISS e Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, além de uma taxa para o setor de apostas.
Para a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora da CPI das Bets, a cobrança dos tributos deve considerar todo o tempo de funcionamento das empresas, mesmo antes da regulamentação do Ministério da Fazenda, que iniciará nova fase em 2025. A Betnacional iniciou suas atividades em 2021.
— Uma condição [desejada] é que se pague retroativamente, porque não é possível que alguém possa desenvolver qualquer atividade sem pagar tributos. Eu quero ver isso com o Ministério da Fazenda — declarou Soraya.
João Studart afirmou que a Betnacional possui sede em Curaçau para usufruir da licença comercial dos “agregadores de jogos”, que permitem a seus sites oferecerem os jogos de aposta, o que, segundo ele, é comum no mercado de bets. O CEO também disse que sua empresa possui contrato internacional com uma empresa terceirizada para dispor de cerca de 250 funcionários, sendo que a maioria trabalha no Brasil. Para ele, o fato de Curaçau ser um paraíso fiscal “é uma outra questão”, que não implica ilegalidade nas operações da empresa.
Studart declarou que a empresa sempre atuou na legalidade, e que espera carga tributária de 40% sobre as operações a partir de 2025.
— Nós recolhemos o “câmbio” e o IOF. É o que dá para recolher. A legislação não me permitia ter uma CNAE [Classificação Nacional de Atividades Econômicas, da Receita Federal], ter uma empresa para recolher [os outros] impostos. Nós estávamos aguardando a regulamentação. Estávamos no aguardo operando, e ela foi atrasando, até que chegou… Todas as empresas estão na mesma situação da Betnacional. Qualquer medida e qualquer lei que o governo coloque, a gente vai cumprir 100%. A partir de 1º de janeiro de 2025 tudo é transferido para o Brasil, e acaba [a atividade] no exterior — disse.
A Lei 13.756, de 2018 , passou a permitir a autorização estatal para a exploração de apostas on-line, mas ainda não há procedimento definitivo para as outorgas. A lei exigia que o Poder Executivo enviasse proposta de regulamentação até 2022, o que só ocorreu em 2024, após a publicação da Lei 14.790, de 29 de dezembro de 2023 . Desde então, o Ministério da Fazenda elaborou dezenas de normas para implementar a nova lei.
Por enquanto, vigora um “período de adequação” em que as empresas interessadas em funcionar a partir de 2025, com a nova fase da regulamentação, devem pagar R$ 30 milhões, como ocorreu com a Betnacional e outras 100 empresas. Assim, podem continuar funcionando até dezembro.
O presidente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj, que é uma autarquia estadual), Hazenclever Lopes Cançado, criticou o “período de adequação” permitido pelo Ministério da Fazenda. Para ele, a pasta criou uma “lista tácita” em que 101 bets podem continuar funcionando até 2025, mesmo que todas não tenham pago os R$ 30 milhões já citados e sem apuração das suas condições de funcionamento, em descumprimento da legislação. Segundo ele, se a regulamentação fosse proposta pelo Poder Executivo dentro do prazo, a arrecadação federal dispensaria as discussões atuais sobre corte de gastos.
— Os legisladores desta Casa não autorizaram esse período de graça para as bets operarem no Brasil. O Congresso não autorizou os operadores a lucrarem sem pagar qualquer outorga ou imposto… Nós temos 16 estados do país que não têm um orçamento que dá a receita que uma bet [...] arrecada [por ano]... A senhora [voltando-se à relatora da CPI, Soraya Thronicke] pode imaginar o quão poderoso é um setor que fatura hoje mais de R$ 300 bilhões ao ano? — questionou.
Hazenclever Cançado apontou que há casos relevantes noticiados na imprensa de empresas de apostas aceitas na lista que são registradas em nome de "laranjas".
Os senadores Izalci Lucas (PL-DF) e Marcos Rogério (PL-RO) criticaram a perda de arrecadação durante o período. Marcos Rogério ainda questionou a legalidade da operação da Betnacional, que atua por meio de uma empresa sediada no exterior, que, para ele, não deveria ser possível até a regulamentação ser totalmente implementada.
— Ou a empresa está cometendo o crime de sonegação fiscal ou o governo está cometendo o “crime” de renúncia de receita — declarou Marcos Rogério.
Já para o senador Angelo Coronel (PSD-BA), a ausência da regulamentação não impede a exploração da aposta. A responsabilização, para ele, deve ser cobrada dos gestores públicos que atrasaram a apresentação das normas.
— Se ainda não foi regulamentada, para qualquer deslize que tenha ocorrido ao longo do tempo, se não tem uma lei, como é que a pessoa sabe se aquilo ali é legal ou ilegal? Nós temos que ter muito essa ponderação. Se a partir de 2025 estivermos com a lei regulamentada, se osplayerscontinuarem errando, que venham a ser punidos. Agora, não podemos crucificar [ninguém] se não existe lei ainda regulamentada aqui no Brasil.
Em resposta a uma pergunta da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), João Studart afirmou que a Betnacional não permite apostas feitas por menores de idade, utilizando para isso a exigência do mesmo CPF do titular da conta que receberá o valor apostado. Além disso, segundo ele, as regras para 2025 exigirão reconhecimento facial.
Soraya Thronicke acusou o CEO da One Internet Group, Fernando Oliveira Lima, que depôs à CPI na terça-feira passada , de mentir à comissão. Segundo ela, Fernando assegurou que seu site já possuía recurso de reconhecimento facial, mas a equipe da senadora não identificou o recurso em teste realizado.
A comissão parlamentar de inquérito busca esclarecer o impacto das apostas digitais na saúde financeira dos brasileiros e apurar possíveis ilícitos envolvidos no setor. O colegiado terá um total de 130 dias para concluir seus trabalhos, com um limite de despesas de R$ 110 mil.
Os jogos criados pelo setor e pendentes de regulamentação são chamados de “apostas de quota fixa”, que se referem às apostas on-line esportivas (as chamadas “bets”) e aos jogoson-line que se assemelham aos cassinos (como o Fortune Tiger, popularmente conhecido como Jogo do Tigrinho). A “quota fixa” é aquela que permite ao apostador saber de antemão quantas vezes a mais vai receber o valor apostado caso seja premiado.